Por Braulia Ribeiro
Me lembro de gostar do 7 de Setembro quando era criança. Belo Horizonte tinha bonitas paradas militares, Portentosos, os militares desfilavam seu poder para a diversão dos cidadãos oprimidos pela ditadura. Engraçada a alma brasileira. Até o poder tirânico nos diverte se acompanhado por música e cores.
Eu amava as paradas militares e seu show de armamentos. Não sabia na época que o exército brasileiro é um dos mais mal armados e obsoletos do mundo. Mas se soubesse não daria a mínima porque meu interesse era a beleza uniforme das fardas, os rostos bem barbeados e os cabelos bem cortados dos soldadinhos. Ah… os soldados. Sonhava casar-me com um.
Agora estou vivo na terra do Tio Sam por mais de dois anos. Não na terra principal, terra-mãe como se diz por aqui. Moramos nas ilhas havainas. O Havaí é um estado bem peculiar, e apesar de todo o turismo é bem mais pobre e negligenciado do que a maioria dos estados do continente. A ilha onde vivo é meio que nem o litoral da Bahia. Lindo, mas tem seus problemas.
Passei por três 4 de Julho aqui. Em nosso primeiro fomos recrutados por dois amigos brasileiros (sim brasileiros) para marchar em sua parada eleitoral. Um dos amigos é cidadão americano apenas há uns 3 ou 4 anos, e concorria ao cargo no city council, a camara de vereadores do município. O cargo de vereador aqui é voluntário (isto mesmo, voluntário, repetindo: não remunerado) e eles se reelegem de dois em dois anos. A outra pessoa era uma amiga nascida no Brasil e adotada aos 5 anos por uma família americana. Ela concorria ao cargo equivalente ao de deputada estadual, cargo também voluntário (isto mesmo) e bi-anual.
Caímos desavisados na paradinha local, no meio dos velhinhos de cadeira de rodas, obesos rotundos, crianças nos ombros de pais orgulhosos de mãos dadas, sem-teto com seus carrinhos de super-mercados cheios de tranqueiras. Tinha de tudo. Todo mundo apoiando e marchando, cada bloquinho com sua musica independente. Marchavam candidatos e seus apoiadores de camisas iguais, marchavam pequenos negócios, veteranos, etc.
Achei a parada sem graça e pobre, beirando o ridículo. Desapontei-me comparando-a com a glória de meus 7 de Setembro da infância. No segundo ano fui observar novamente e me frustrei. Levei meus filhos explicando que o dever cívico de apreciar a parada era deles também já que moramos aqui, blábláblá, tentando tornar o evento interessante. Nem os fogos do final da tarde lançados do mar aos céus da baía de Kailua tornaram a parada menos tosca.
Ontem foi meu terceiro 4 de Julho. Ano eleitoral novamente, local e nacional. O lugar estava coalhado de fuscas velhos, jeeps de guerra mais velhos ainda, candidatos passeando com araras no braços. Tinha ONGs de ajuda aos cegos, de velhinhos, de socorro ao sem-teto. Desfilaram inúmeras associações de veteranos de várias guerras, inválidos ou válidos. Músicos,academias de ginástica, centros de apoio à crianças deficientes, a velhos o escambau. (Engraçado aqui não percebi ainda o “movimento social” como definimos no Brasil, um bando de desocupados que militam profissionalmente.)
Meu desafio foi tentar entender qual era a cola de tudo aquilo, e porquê a reverência e a celebração de todos eles no dia da pátria. Pátria! Finalmente entendi. Porque aquilo, com a tosqueza local, os carros velhos, os deficientes, as crianças, os pássaros, os malhadões fazendo ginástica, aquilo é pátria. Pátria não são os militares a marchar sua artilharia pesada, ou o governo a mostrar seu potencial cada vez maior de esmagar o cidadão. Isto se exibe lá fora. Isto se tem, para se preservar aqueles que aqui compõem a pátria. Pátria é o velho, a mãe o pai, a criança. São estes que desfilam, celebrando-se a si, numa efusão de comunsisses ordinárias. Sou eu o ninguém. Este é meu dia porque sou americano.
Celebro portanto junto com eles. Que viva a parada dos feios. É a Banda do Chico ao contrário. Quando o povo passa a Banda sai na janela. Que viva a América de todos.
fonte: ultimato
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