Por Pedro Fortunato
“Porque vieste nos atrapalhar!” É a acusação que o Grande Inquisidor faz a Jesus no romance de Dostoiévski “Os irmãos Karamazov”. A história se passa no auge da inquisição espanhola. Todos os dias pessoas são levadas as fogueiras e queimadas como hereges por motivos ligados a quebra de alguma tradição religiosa. De repente, como que do nada, o próprio Jesus Cristo retorna a terra, e, coisa estranha, todos o reconhecem!
Logo o povo prostra-se em adoração e louvor ao filho de Deus que resolveu visitar a miséria dos homens. Porém, logo outra figura aparece, o Grande Inquisidor, ancião octogenário, líder da igreja espanhola, chega com suas pomposas vestes e cara emburrada, não demora e a multidão muda seu objeto de veneração e prostra-se ante ao Inquisidor em reverência. “Prendam-no”, é a ordem dada e obedecida sem contestação, enquanto o povo assiste reverente e temerosamente, sem fazer nada pelo pobre Salvador.
Numa ironia absurda, depois de 1500 anos de igreja institucional, Jesus havia sido superado por leis humanas e tradições religiosas. Sua palavra, "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará", era intolerável! O Grande Inquisidor não tolera a liberdade e por isso quer queimar o Nazareno na fogueira como “O pior de todos os hereges!”
O Grande Inquisidor é uma interessante ilustração de como a igreja por vezes tem trocado a gloriosa liberdade do filho de Deus por um jugo de escravidão, de como temos a tendência de começar no Espírito, para depois tentar se aperfeiçoar pela carne! É triste ver pessoas e congregações presas em tantas leis e regras que só oprimem seus membros lhes suprimindo a liberdade.
Essas “igrejas” gostam de enfatizar sua rigidez doutrinária. A “ordem” de seus cultos e a “liturgia” são seu orgulho; não há espaço para o espontâneo e nem menção ao poder regenerador do Espírito Santo como sendo uma iniciativa e dom de Deus. Já ouvi, vivenciei e vi casos dos mais diversos, uns engraçados, outros trágicos, de como a rigidez da religião evangélica, essa “maldita lei dos crentes”, como gosto de chamar, é nociva, prejudicial ao Corpo de Cristo, podendo levar à morte alguns de seus preciosos membros.
Foi em Alagoas que conheci essa expressão “A lei dos crentes”, forma como algumas pessoas, principalmente no interior Nordestino, designa a religião evangélica, tipo, “fulana foi pra lei dos crentes". É comum ouvirmos: “De que lei você é?”, para se perguntar de qual igreja você faz parte. Ela expressa muito bem o que para muitos, dentro e fora da igreja, significa ser evangélico.
Quando digo “a maldita lei dos crentes”, não me refiro aos mandamentos éticos implícitos ao evangelho, entendo as obrigações morais dos cristãos, e os tenho como modelos para minhas próprias decisões, não sou antinomista! Uso aqui esse termo como um termo técnico. A “lei dos crentes” significa a visão religiosa de que o 'ser evangélico' se resume a obedecer um conjunto de regras específicas, a lista do 'pode e não pode fazer', para assim conseguir o favor de Deus, a salvação, as bênçãos necessárias para essa vida atual, etc..
Nada tem haver com o amor de um Pai que espera ansiosamente a volta do filho e o recebe com festa depois da bagunça que este mesmo filho fez com os bens da família, ou de um pastor que deixa 99 ovelhas em busca de uma rebelde! Digo que é maldita pois coloca as pessoas debaixo da terrível maldição do perfeccionismo, que gera pelo menos duas coisas terríveis.
A primeira delas é o orgulho! Insensíveis ao fato de que nós mesmos temos falhas, julgamos as pessoas sem misericórdia, e, confiando em nossa justiça própria, achamos que realmente merecemos as bênçãos de Deus. O pior, chegamos mesmo a pensar, mesmo sem admitir, que os que não praticam as mesmas obras que nós são inferiores, e acabamos orando como o fariseu da parábola de Lucas: “Senhor obrigado por eu não ser como essa outra pessoa”. Afirmativas do tipo: “Como pode um crente ter problema com isso? Parece que não tem fé!” ou “Vai se converter!” são típicas do legalista que entende o evangelho apenas num âmbito moral.
O segundo mau é nos tornamos perfeccionistas ansiosos, desconfiados e com uma auto-imagem muito baixa. Ansiosos em relação ao que a vida trará para nós, por causa da nossa desconfiança no amor de Deus, traçamos um ideal do que é ser “um crente espiritual” e nos esforçamos ao máximo para alcançá-lo, pois alcançando-o, Deus irá nos recompensar pela nossa obediência e poderemos deixar de nos sentirmos tão mal com nosso próprio eu.
O problema de viver nesse contínuo esforço por alcançar esse padrão de perfeição é que a base não é o amor de Cristo por nós, sua força em nós, que gera aquele desejo de mudar pela gratidão do favor imerecido. A Rocha que firma a casa não é a base, mas a areia do medo de ser rejeitado! Conseqüentemente, toda casa construída sobre a areia está fadada a cair. E quantos não são os filhos e filhas de Deus que se desviam por não conseguirem alcançar ou manter esse padrão hoje, sentindo-se indignos de estar na presença de Deus depois de um negro período de escravidão de pecados, como, por exemplo, prostituição, dependência química e depressão.
Para aqueles que entendem o evangelho como uma “lei” a palavra “graça” não faz sentido algum, sendo pouco mencionada nos seus cultos, ou, quando é mencionada, é de uma forma que distorce seu significado original de “favor imerecido”. Para muitos, a condição para se conseguir alguma “graça” é o sacrifício!
A mensagem evangélica para essas pessoas é mais ou menos assim: “Pela religião vocês são salvos, mediante a submissão! E isso tem que vir de vocês, pois Deus já fez a parte dele! Em ultima análise, é pelas obras que vocês são salvos, mas não podem se gloriar, porque gloriar-se é pecado e quem pecar vai pro inferno!” É a distorção clara da mensagem de salvação contida em Efésios 2:8-9.
Continua...
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