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Um Exercício Sobre Moral Cristã Conservadora

Por Luiz Coelho

Proponho um exercício. Por favor, acompanhem meu raciocínio.

Primeiramente, vou definir como “moral cristã conservadora” um conjunto de padrões éticos defendido por um grupo razoável de cristãos. Não sou eticista, então posso estar me embolando nos termos, mas acho que a título de exercício, isso não é relevante.
Os adeptos da moral cristã conservadora (daqui em diante, chamarei de apenas MCC) acreditam que relações homoafetivas, independente do grau de estabilidade, carinho, fidelidade, etc são pecaminosas e levam ao inferno.

Com um certo grau de segurança, posso dizer que os adeptos da MCC também não fazem distinção entre graus de pecados (sim, os que são católicos romanos farão distinções entre pecado mortal e pecado venial, mas creio que mesmo assim o exercício mantém sua validade).

Assim, é possível dizer que os adeptos da MCC também concordam que pessoas não-cristãs vivem em pecado e vão para o inferno. Tais pessoas são legalmente beneficiadas com o direito à adoção, podem casar-se, constituir família, ensinar a seus filhos seus parâmetros morais e religiosos (podem inclusive ensinar a seus filhos que ser homossexual não é errado – coisa que os adeptos da MCC consideram abominação). Essas pessoas expõem seus filhos a toda sorte de situações que são consideradas pelos adeptos da MCC como anormais.

Além disso, no universo de casais heterossexuais legalmente estabelecidos, há toda sorte de comportamentos sendo praticados: adultério, divórcios, recasamentos, castigos corporais extremados e tantos outros. Para os adeptos da MCC, esses comportamentos são também, em grande parte pecado.

Então fica a pergunta: se o parâmetro para alegar que casais homossexuais não podem adotar crianças é o pecado e a perdição aos quais tais crianças seriam expostas, por que é que os adeptos da MCC não protestam junto ao governo quanto à adoção de crianças por:

1) Espíritas
2) Umbandistas
3) Muçulmanos
5) Ateus
6) Pessoas que ensinam que ser homossexual é normal
7) Casais “incestuosos” reconhecidos por lei
8) [coloque aqui diversas outras classes]

Por que não protestam quando mulheres que tentam a “via independente” têm um caso apenas para engravidar, porque querem um filho? Por que não protestam quanto às famílias que têm inúmeras crianças filhos de pais diferentes? Por que não protestam quanto às gravidezes precoces e crianças sendo criadas por outras crianças?

Alguém poderia dizer: sim, não protestamos porque mal ou bem, esses casais são heterossexuais. Podem um dia vir a se converter. Como são heterossexuais, seguem o “modelo de Deus’ para a família e, se convertidos, tudo se resolve. Para isso eu dou dois contra argumentos:

1) Nada garante que venham a se converter.
2) Caso um casal homossexual (ou um de seus membros) viesse a se converter a uma igreja adepta da MCC, nada impede que se divorciem mas continuem criando seus filhos da mesma forma como casais divorciados o fazem: dividindo despesas e custódia. Não estariam fazendo “sexo” entre si, não estariam vivendo junto. Mas continuariam a sustentar aquela criança.

E mais… Se é para se tomar uma abordagem pró-ativa, pergunto (com negrito, porque quero resposta): por que é que a imensa população brasileira adepta da MCC – evangélicos e católicos inclusive – não se dispõe a adotar TODAS as crianças abandonadas, para que elas não precisem ser adotadas por aqueles que, segundo eles, praticam pecados e estão fadados à perdição?
Qualquer opinião contrária à adoção por casais homoafetivos necessita, antes de tudo, autojustificar-se respondendo esses meus questionamentos.

O que vocês querem é muito simples: querem empurrar os valores morais de um grupo à toda coletividade. Todo mundo tem esse direito. Não há nada de errado em querer isso. O problema é que, para que a coletividade entenda que há proveito em seguir os valores morais de um grupo, é preciso que tal grupo mostre que eles realmente são dignos de ser seguidos.

E isso, realmente, não acontece. Seja o antigo catolicismo conservador, seja o evangelicalismo crescente, em termos de transformação e mudança, sinto informar que influenciaram muito pouco este país. Hoje contentam-se mais em conseguir eleger suas bancadas, que ficam no congresso promiscuamente se oferecendo como meretrizes de esquina para o governo. Dão seus votos para quem apoiá-los em suas agendas. Os líderes das igrejas – de IURD a Padre Marcelo Rossi, enchem-se de fortunas absurdas quando várias pessoas no país vivem na extrema miséria. Sério. Sério mesmo. O Cristianismo – se analisado de forma coletiva e genérica – está muito longe de ser “sal e luz” neste país. Se crescemos e melhoramos em vários aspectos, isso se deve muito mais ao trabalho de pessoas que muitas vezes nem religiosas eram.

E aí, fica o meu espírito pragmatista me espetando. Várias crianças estão abandonadas. Alguém quer adotá-las. Por que não?


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