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País apodrecido, igreja insípida

Foto: karlusfilipe


Por Robinson Cavalcanti

Metade dos escândalos que explodiram no Brasil teriam provocado revoluções em qualquer outra parte do mundo. Apesar do sensacionalismo da imprensa, dos gritos hipócritas das oposições e da “cara de pau” das situações, a rotina nacional não sofreu alteração. As opções eleitorais foram na direção do “rouba, mas faz”. Afinal, ética nunca foi o forte da Terra de Santa Cruz, desde o seu “descobrimento”. Ninguém está chateado com a desonestidade dos de cima; o aborrecimento é por não se estar lá também.

Vianna Moog, no capítulo “Ética e Economia”, de seu clássico Bandeirantes e Pioneiros, mostra que fomos um país sem mecanismos sociais de controle, sem sacerdotes e sem sogras. A primeira missa foi celebrada, e, depois, houve duzentos anos de escassos sacerdotes e deficiente catequese, com uma fé mística, mágica e folclórica. Os varões que deixaram em Portugal as antigas famílias (sogras, inclusive) se uniam, assimétrica e pluralmente, com as ameríndias e as africanas, de paternidade ausente, nas entradas e bandeiras. A motivação colonizadora era o enriquecimento rápido, com o mínimo de trabalho e por quaisquer meios, pois “além do Equador não há pecado”. Os benesses reais, a nobreza cartorial, as heranças e as botijas substituiriam o trabalho orgânico.

O Estado surgiu antes da nação e impôs os governantes e as leis, com os quais o povo não se identificava nem aos quais se sentia obrigado a obedecer, antes a burlar. Imperavam o escravismo, a servidão, o capitalismo selvagem, a educação ornamental e beletrista, o poder, a propriedade, a renda e o saber concentradíssimos. E hoje queremos, como resultado, um país justo, pacífico e honesto?

No país do pistolão, do nepotismo e do compadrio, as palavras de ordem são: “Para os parentes e os amigos, tudo; para os inimigos, a lei” e “Você sabe com quem está falando?”. A “lei” é o levar vantagem em tudo. No lugar de “Ordem e Progresso”, já se afirmou, deveríamos ter no centro da nossa bandeira: “Sombra e água fresca”, ou: “Trabalho honesto é como o crime: não compensa”. Um ilustre membro do Poder Judiciário no Nordeste, quando questionado por uma jornalista sobre o excesso de parentes lotado em seu gabinete, saiu-se com esta pérola: “Minha filha, quando Deus quis salvar o mundo, por acaso mandou um estranho ou um conhecido? Ele mandou o filho dele”.

Nas campanhas presidenciais de 1989 e 1994, rodando por este Brasil, ouvi a raiva e a frustração do povão contra essa idéia de “justiça social”. A natureza das coisas é uma sociedade de privilégios, desde que se esteja no andar de cima. Algo contrário seria frustrar sonhos, como o de um dia ganhar na loteria ou no jogo do bicho. Filho de vereador da UDN, convivi com o lacerdismo. Moralismo por aqui empolga classe média. Os de cima e os de baixo, em suas respectivas alienações, “não estão nem aí”. O “homem cordial” ou o “cabra macho”, lúdicos, eróticos e espertos, estão mais para a ideologia “futebol, cachaça e mulher”. O resto é retórica, imposição de gringos ou fanatismo, pois, “ninguém é de ferro”. Sem chances, emigra-se para — suprema ironia e humilhação — fazer faxina.

O protestantismo de imigração, de alemães, suíços, ingleses, fechado em si, teve escasso impacto na cultura nacional. O protestantismo de missão aportou com a crença em um “destino manifesto” de trazer uma fé superior, o progresso e a democracia. A luta pela Abolição e pela República, pelo Estado laico, pela instrução universal, mista, profissionalizante, com educação física e esportes, o ensino do valor do trabalho, da sobriedade, da poupança, a valorização da família, o envolvimento em movimentos sociais, como o sindicalismo, fazem parte de um rico legado hoje esquecido e rejeitado. A Guerra Fria, a Ditadura Militar, o neo-fundamentalismo nos empurraram a heresia “crente não se mete em política”, nos anos 70.

O pentecostalismo que nos chegou não foi o da ala negra da rua Azuza, com sua visão social, mas o da ala branca, com seu isolacionismo, sua ascese extra-mundana e sua escatologia pré-milenista pessimista. Com o passar do tempo, permaneceu apenas o conceito de pecado individual e de uma ética individual da santidade negativa (não fazer o mal) — e não da santidade positiva (fazer o bem) — legalista, moralista, sem os conceitos de pecado social e pecado estrutural, e ética social. A teologia da libertação, racionalista, enfatizaria esses últimos às custas dos primeiros, e, por fim, a teologia liberal pós-moderna, relativista, e amoral, negaria ambos. A “batalha espiritual” reforçaria a alienação e a teologia da prosperidade seria a face religiosa do neoliberalismo capitalista. O neo-pós-pseudo-pentecostalismo não prega conversão e santidade, mas neo-indulgências e sessões de descarrego. Do novo nascimento ao sabonete de arruda tem sido um longo caminho, por onde passam os sócios “evangélicos” dos escândalos da República. Uma igreja insípida não salga nem salva um país enfermo.

Falhou o evangelicalismo? Não. Falta-nos evangelicalismo!

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