A vida cristã, eu creio, não se centraliza principalmente em ética ou regras, mas, antes, envolve uma nova maneira de ver. Eu escapo da força da "gravidade" espiritual quando começo a ver a mim mesmo como um pecador que não pode agradar a Deus por nenhum método de autodesenvolvimento ou auto-engrandecimento. Então posso voltar para Deus para buscar ajuda de fora: a graça. E, para o meu próprio espanto, aprendo que um Deus santo já me ama apesar dos meus defeitos.
Consigo escapar da força da gravidade novamente quando reconheço que meus semelhantes também são pecadores amados por Deus. Um cristão cheio de graça é aquele que olha para o mundo por meio de "lentes tingidas de graça".
U m pastor amigo meu estava estudando o texto de Mateus 7 no qual Jesus dizia, mais ou menos impetuosamente: "Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade!". A frase "Nunca vos conheci" saltou da página. Claramente Jesus não disse Vocês nunca reconheceram", ou "Vocês nunca conheceram o Pai". Meu amigo se assustou ao perceber que uma de nossas principais tarefas, talvez a principal, é fazer-nos conhecidos de Deus.
Boas obras não bastam — "não profetizamos nós em teu nome?" — qualquer relacionamento com Deus deve ser fundamentado na plena revelação. As máscaras têm de ser tiradas. "Não podemos encontrá-lo se não reconhecermos que precisamos dele", escreveu Thomas Merton. Para alguém que foi criado em fortes fundamentos eclesiásticos, essa conscientização não vem facilmente. Minha própria igreja inclinava-se para o perfeccionismo, o que nos tentava todos a seguir o exemplo de Ananias e Safira, fingindo espiritualmente. Aos domingos, famílias aparentemente impecáveis saíam dos seus carros com sorrisos em seus rostos mesmo quando, depois ficávamos sabendo, haviam brigado vergonhosamente a semana inteira.
Quando criança, eu me comportava da melhor maneira possível nos domingos de manhã, vestindo-me para Deus e para os cristãos que me cercavam. Nunca me ocorreu que a igreja era um local para ser honesto. Agora, entretanto, quando procuro olhar para o mundo por meio das lentes da graça, percebo que a imperfeição é o requisito da graça. A luz só consegue passar pelas rachaduras. Meu orgulho ainda me tenta a parecer melhor, a limpar as aparências. "É fácil reconhecer", disse C. S. Lewis, "mas quase impossível aceitar, que somos espelhos cuja luminosidade, se somos luminosos, deriva totalmente do sol que brilha sobre nós. Certamente, temos um pouco, não importa quanto, de luminosidade natural. Não temos? Certamente, não podemos ser apenas criaturas". E ele continua em seu raciocínio: "A graça substitui uma aceitação total, infantil e deliciosa da nossa necessidade, uma alegria na dependência total. Nós nos tornamos 'mendigos joviais"'.
Nós, criaturas, mendigos joviais, damos glória a Deus pela nossa dependência. Nossas feridas e defeitos são as próprias fissuras através das quais a graça poderia passar. É nosso destino humano na terra sermos imperfeitos, incompletos, fracos e mortais, e apenas aceitando esse destino podemos escapar da força da gravidade e receber graça. Só então podemos crescer, aproximando-nos de Deus.
Philip Yancey em Maravilhosa Graça (ed. Vida)
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