O Som do Mural traz a memória de um tempo em que fazer música era bem mais que rimar palavras e criar boas melodias.
Não sou expert em música, mas reuni aqui dez canções que acredito serem as maiores canções de protestos brasileiras de todos os tempos. A maioria delas feitas no tempo da ditadura, o que as torna mais espetaculares ainda, pois são riquíssimas em metáforas e conteúdo.
Talvez você sinta a ausência de alguma canção, como, por exemplo, "Brasil" de Cazuza, "Milho aos pombos" de Zé Geraldo, ou mesmo "Vida de gado" de Zé Ramalho, e tantos outros, mas como eram apenas dez canções, muita coisa boa ficou de fora. Então aproveite e mande o seu comentário sobre a sua canção de protesto preferida.
10 - Xanéu nº 5, de Fernando Anitelli
Xanéu nº 5, do Teatro Mágico, aparece aqui representando os remanescentes da incrível arte de compor belas melodias com contesto social, música boa e inteligente. O Teatro Mágico é uma das bandas ativistas do movimento “Música para baixar” , que pretende criar mecanismos igualitários e democráticos de acesso à música e à cultura em geral.
Uma reflexão sobre a cultura que nos é imposta por uma mídia vendida e dissimulada é o que se encontra em Xanéu nº 5.
“Até porque não acredito no que é dito, no que é visto. Acesso é poder e o poder é a informação. Qualquer palavra satisfaz. A garota, o rapaz e a paz quem traz, tanto faz. O valor é temporário, o amor imaginário e a festa é um perjúrio... querem ensinar a fazer comida uma nação que não tem ovo na panela...”
09 - Vozes da Seca de Luiz Gonzaga e Zé Dantas
Pioneiro da canção de protesto, com “Vozes da Seca”, em parceria de 1953 com Zé Dantas, Luiz Gonzaga simbolizou a voz de quem não tinha nem voz, nem vez. Em “Vozes da Seca” o recado social é direto:
"Seu doutô, os nordestino têm muita gratidão, Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão, Mas, doutô, uma esmola a um homem qui é são, Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão".
08 - Rosa de Hiroshima de Vinícius de Moraes/Gerson Conrad
Rosa de Hiroshima é um poema de Vinícius de Moraes, musicado por Gerson Conrad e gravado pela banda Secos e Molhados em seu disco de estréia, ano de 1973, em plena ditadura militar. A canção é um grito pacifista e anti nuclear. A letra nos convida a refletir sobre a barbárie e estupidez das guerras.
"...Pensem nas feridas, Como rosas cálidas, Mas, oh, não se esqueçam, Da rosa, da rosa, Da rosa de Hiroshima, A rosa, hereditária, A rosa radioativa, Estúpida e inválida..."
07 - O Meu país, de Livardo Alves, Orlando Tejo e Gilvan Chaves
Nesta canção a voz poderosa de Zé Ramalho aponta as mazelas da nossa nação. A letra é direta e nos diz que este “... pode ser o país do futebol, mas não é com certeza o meu país... Pode ser o país do carnaval, mas não é com certeza o meu país.”
06 - Debaixo dos caracóis, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Roberto e Erasmo escreveram esta bela declaração de amor em 1971, em solidariedade a Caetano Velloso, que havia se exilado em Londres em 1969 por causa da ditadura militar. Roberto sabia das saudades que o amigo sentia de seu país e a dor e vazio por não poder voltar.
Uma canção política em forma de declaração de amor ao amigo exilado. Durante muito tempo não se soube desse tom de homenagem.
"...Um dia vou ver você, Chegando num sorriso, Pisando a areia branca, Que é seu paraíso..."
05 - O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc
Composta em 1979, e famosa na voz de Eliz Regina, tornou-se um símbolo da luta pela anistia. Pela volta dos exilados e pela abertura política do regime militar.
Carlitos, personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população oprimida, mas que ainda consegue manter o bom humor; denunciava as injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A Equilibrista dançando na corda bamba, de sombrinha, é a esperança de todo um povo.
04 - Apesar De Você, de Chico Buarque – 1970
No mesmo ano em que a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial, as torturas e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime do general Médici eram constantes. Chico Buarque fez a letra dirigida exatamente à Médici, e enviou aos censores certo de que não passaria. Passou e foi gravada. O compacto atingia a marca de 100 mil quando um jornal insinuou que a música era uma homenagem ao presidente.
A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. Chico foi chamado a um interrogatório para prestar informações e esclarecer quem era o "você" mencionado na música. "É uma mulher muito mandona, muito autoritária", respondeu.
03 - Pequena memória de um tempo sem memória, de Gonzaguinha
Em "Pequena memória de um tempo sem memória", Gonzaguinha usa todo seu vigor tecendo críticas sociais com uma linguagem clara, inteligível e que não deixa dúvidas quanto ao seu conteúdo e significação da canção.
"São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas. Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata".
02 - Cálice, de Chico Buarque
Uma canção lindíssima, uma obra-prima do jogo das palavras. O cálice mencionado aqui na letra refere-se ao verbo calar (calar-se).
Ao afirmar "Pai passa de mim este cálice", Chico faz alusão ao episódio bíblico em que Cristo ora no Getsêmani. Este refrão apela a Deus no sentido de interferir a favor do suplicante. Indiscutivelmente linda.
01 - Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré
Durante a década de 60 os Festivais da Canção da Record revelaram para o Brasil gente do peso de Gil, Caetano, Chico e Elis. Vandré estava entre eles e em 1968 compôs esta música, totalmente explícita, que acabou virando o hino da resistência ao regime militar. A canção ficou em segundo lugar no festival, embora fosse a preferida do publico que gritou em um grande coro, "é marmelada...".
A canção foi proibida por anos, acusada de que incita o povo à resistência , usando como pretexto a ofensa à instituição contida nos versos "Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição / de morrer pela pátria e viver sem razão", o que mostrou-se pouco eficiente, pois a canção já estava na boca do povo e converteu-se em um símbolo da resistência contra a ditadura.
Sem dúvida, a maior e mais bela canção brasileira de protesto de todos os tempos.
Comentários
Alexandre
Quanto a algumas escolhidas... gosto muito de Secos e Molhados, mas "Rosa de Hiroshima" num top 10 de canções de protesto? Chega a ser uma injustiça com o Sérgio Ricardo, um dos primeiros cantores totalmente engajados desse país, que começou a onda com "Zelão", já em 1960, e gravou músicas realmente banidas pela ditadura, como "Calabouço". O simples fato da ditadura não ter censurado uma música do Secos e Molhados, sinceramente, mostra o quanto eram considerados inofensivos.
Da mesma forma "debaixo dos caracóis...", uma música linda, mas porque essa pagação de pau ao roberto carlos, um dos garotos propagandas da ditadura? Chega a ser de mau gosto, enquanto TAIGUARA, o cantor MAIS CENSURADO pela ditadura, esse continua ser boicotado até por quem faz lista de "canção de protesto".
Se o tema é "músicas sobre exílio", muito mais emocionante "Samba de Orli", de Chico Buarque, Toquinho e Vinicius, ou muito mais ferina "Meu Caro Amigo", de Chico e Francis Hime.
Também senti falta de alguma música representando a geração dos anos 80, embora o rock nacional dessa época era pródigo em protestar, ao contrário do rock coxinha (pra usar um termo bem aplicado pelo Nasi do Ira!) dos dias de hoje - e depois se perguntam porque o rock pela primeira vez não está entre as 100 músicas mais tocadas do ano. Perdeu sua atitude, seu público, e sua razão de ser... simplesmente assim. Mas de todas as músicas de "protesto" que havia dos anos 80, acho que pela "raiva", por ter sido feita no fim da ditadura, mas se aplicar tão bem a Era Sarney - e até aos dias de hoje - e por isso mesmo com incrível renovação, sendo sempre adotada a cada geração que passa, QUE PAÍS É ESTE, da Legião urbana é provavelmente uma das canções de protesto mais POPULARES que o Brasil já teve. NÃO HÁ PESSOA QUE NÃO A CONHEÇA, de 50 a 14 anos!