Infelizmente não foi exibido nas salas de cinema do país o filme Amazing Grace, que relata a história de William Wilberforce, o parlamentar britânico que lutou contra o tráfico negreiro, no fim do século 18 e início do 19. O DVD chegou há pouco às locadoras sob o título Jornada pela liberdade e merece ser visto.
Orador brilhante e eleito para o parlamento inglês com apenas 21 anos de idade, Wilberforce experimenta uma profunda conversão que o leva inclusive a pensar em deixar a política para se dedicar ao ministério religioso. O seu melhor amigo, William Pitt – posteriormente primeiro-ministro da Inglaterra – temeroso de perder o seu aliado mais talentoso, chega a provocá-lo: “Você pretende usar a sua bela voz para louvar o Senhor, ou para mudar o mundo?”. Mas é John Newton, um ex-traficante de escravos – brilhantemente interpretado por Albert Finney – que o convence de que ele estaria fazendo as duas coisas engajando-se na luta política contra a escravidão. O título do filme em inglês deve-se a Newton, que compôs a bela Amazing Grace – talvez a canção cristã mais famosa do mundo – após uma dramática experiência de conversão que o levou a abandonar o tráfico negreiro.
A história de Wilberforce é importante porque desmente o argumento dos novos ateístas, em especial Sam Harris, de que o cristianismo sempre foi conivente com a escravidão. O cristianismo tem sido acusado pelo novo ateísmo – que lança livros aos borbotões com violentos ataques à religião em geral e à fé cristã em particular – não só de antiintelectualismo, mas de ser essencialmente imoral. É um ataque sui generis, e que talvez muitos não estejam preparados para responder. E uma das imoralidades que nos atribuem é a nossa conivência histórica com a escravidão.
Na verdade não há honestidade quando se julga os erros do passado com os parâmetros do presente. É fácil apontar o dedo para os erros cometidos na história, analisando os fatos séculos depois, a bordo de todas as transformações culturais que nos permitem ser mais sábios que nossos antepassados.
Se no passado havia cegueira quanto à escravatura ela não recaía sobre a comunidade cristã, mas sim sobre toda a humanidade. Vivia-se num ambiente de escravidão e esse era o sistema aceito por todos. Numa obra recente – lançada no Brasil sob o título A verdade sobre o cristianismo –, o católico Dinesh D’Souza argumenta que a escravocracia nunca precisou de defensores, pois o regime sempre foi incontroverso. O sistema era aceito em todo o planeta. Na África, na Ásia, na América pré-colombiana e nunca foi questionado. A primeira voz a denunciar o mal saiu da igreja, num movimento liderado pelos Quakers e que encontrou eco político em Wilberforce.
Não é difícil imaginar a magnitude da oposição que o movimento encontrou no parlamento inglês, coalhado de escravocratas. A felicidade é que naqueles tempos havia gigantes na Inglaterra. O filme não mostra, mas a história revela que John Wesley, na última carta que escreveu antes de morrer, dirigiu-se justamente ao jovem Wilberforce, encorajando-o a permanecer firme na sua luta. E não foi em vão, porque a concepção, essencialmente cristã, de que todos os homens foram criados por Deus – e por isso nasceram iguais – cedo ou tarde seria fatal para a escravidão.
A história vale a pena ser vista não só pela beleza da luta que é de encher o peito, mas principalmente porque neste tempo, em que se tornou comum atribuir à fé cristã os males da história, é bom ver no cinema um relato que faz justiça à cristandade por uma de suas obras mais notáveis.
João Heliofar de Jesus Villar [45 anos, procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico] na Revista Ultimato com o título original de Cristianismo e escravidão – somos culpados?
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