"O filme de Ari exorciza um trauma de consciência do próprio diretor. Meu filme trata de outra coisa, de responsabilidade civil face às ações dos militares. A animação é um procedimento estético, por parte de Ari. No meu caso, é uma solução prática", informa o cineasta, numa entrevista por telefone, de Tel-Aviv. Há tempos que Avi Mograbi investiga com sua câmera as atividades do Exército israelense. Basta pesquisar seu nome na internet que você encontrará uma série de vídeos que Israel não quer que você veja e que se referem justamente a atividades militares em áreas ocupadas. O ponto de partida de Z32 é muito interessante. "Há quatro anos trabalho voluntariamente para um grupo de antigos soldados chamado Shovrim Shtika. Minha atividade consiste basicamente em ouvir e registrar os testemunhos de soldados que serviram nos territórios ocupados. Um deles tinha esse número de código Z32. Era tão forte que eu imediatamente pensei que era preciso fazer um filme sobre ele, mas não achava que fosse um projeto para mim, pois meu cinema não se baseia no princípio da entrevista."
Na época em que começou a trabalhar com o grupo Shtika, Avi Mograbi estava terminando um documentário intitulado Por Apenas Um dos Meus Olhos, que incluía um choque do diretor com soldados israelenses, numa barragem - você pode garimpar essas imagens na rede. "Por essa época, meu filho decidiu que não prestaria serviço militar, que é obrigatório em Israel. Foi uma coisa que repercutiu muito em mim, porque sei que ele adotou essa decisão por causa do que viu no meu filme, porque não queria virar esse soldado que se recusa a dar passagem a uma criança palestina doente. Isso me levou a encarar o desafio de fazer Z32." O testemunho do soldado foi de que ele matou, mas não foi isso que tornou seu caso especial, aos olhos do diretor. Afinal, como diz Mograbi, os soldados matam. "O interesse específico foi que ele matou durante uma operação de represália. Um soldado foi enviado a uma missão durante a qual, intencionalmente, foi decidido que inocentes seriam mortos a sangue frio. Isso parece mais coisa da Máfia, acertos de contas entre criminosos, do que uma ação de um Estado de direito. Z32 ainda admitia que teve prazer em matar e, mesmo assim, buscava uma redenção pelo seu ato. Tudo isso me impressionou muito."
Mograbi procurou o soldado já pensando na possibilidade de um filme. Ele conhecia o trabalho do diretor e isso facilitou enormemente a aproximação. Como conta Mograbi, o soldado sofre de uma síndrome pós-traumática, que o leva a querer contar e recontar sua história, mas sem expor sua identidade. A questão era justamente essa - como manter o anonimato de Z32? "A gente vê todo dia no cinema e na TV entrevistas com pessoas que preservam suas imagens por meio de máscaras, pixels, os recursos são variados. Isso pode funcionar para uma entrevista curta, mas não para um filme longo. E havia outro problema - eu queria mostrar a expressão nos olhos de Z32, queria que o público visse que ele não é um monstro, um assassino por natureza (natural born killer). Para mim, era importante que as pessoas o vissem como um filho, um irmão, um namorado. A máscara poderia transformá-lo num criminoso, ou desviar a atenção dos espectadores."
Depois de muito pensar, Mograbi chegou à solução da animação. Ela consiste basicamente em colar ao rosto de Z32 o de outra pessoa - no caso, um amigo de seu filho, mas de tal maneira que a expressão facial fica preservada. Apesar da máscara, os olhos e a crispação dos lábios, quando Z32 fala, são do personagem. E não apenas dele - sua namorada é muito importante no processo de expiação de Z32 e, claro, foi preciso criar outra máscara para ela. "Foi uma coisa complicada de fazer, e cara. Trabalhamos cerca de oito meses somente nos efeitos especiais, criando em 3-D as máscaras que se adaptam às caras dos dois." Para complicar ainda mais as coisas - "Minha atividade anterior como documentarista consistiu sempre em olhar, observar; nunca havia trabalhado em colaboração com o objeto de minha pesquisa" -, Mograbi decidiu que voltar com Z32 aos lugares onde os palestinos foram mortos daria mais força ao filme. Mal comparando, é como o retorno às imagens ?reais? no fecho da animação de Valsa com Bashir.
Para reforçar o conteúdo crítico, Mograbi recorre a um recurso brechtiano - as canções que comentam o que o cineasta define como ?o desespero da situação israelense?. Para o diretor, Z32 é sobre o que significa ser soldado em Israel. O filme fala sobre o Oriente Médio, que ele conhece, mas Mograbi reconhece que também está falando dos norte-americanos no Iraque, dos franceses na Argélia, dos russos na Chechênia. Formado em filosofia, ele leciona, além de fazer, cinema. Muitas vezes desespera-se, porque reconhece a impotência do cinema para mudar o mundo, ou interferir na realidade. Mas segue fazendo, porque assim expressa sua cidadania e responsabilidade. Z32, com a presença do autor, será uma das sensações do 14º É Tudo Verdade.
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