Será que isso é gerado a partir dos modelos assumidos pelas instituições religiosas, a ponto de mudar o comportamento dos seus freqüentadores? Ou serão influências trazidas para as igrejas por seus "adoradores"?
Muitos dos que vão à igreja "para adorar" parecem ir a um shopping center. Estacionam seus carros num local seguro, recebem panfletos com as mais diversas promoções da semana, optam por uma das salas de entretenimento ou dentre os muitos atrativos oferecidos, e depois têm a oportunidade de encontrar amigos ao redor de uma mesa para saborear um lanche. É claro que há opções para todos os gostos e idades. Esses freqüentadores apresentam mais características de consumidores do que de adoradores. Assim, o momento de culto passa a ter público-alvo e não um único alvo. O programa, ou liturgia, passa a necessitar de atrativos bons o suficiente para evitar a procura pelo concorrente. E aí, os "ministros" - sejam do louvor, sejam da palavra - passam a desempenhar seu papel, muitas vezes pensando naquilo que mais pode agradar a esse exigente público, acostumado a pagar por produtos e serviços.
Por sua vez, a igreja que não tiver uma estrutura compatível com a demanda estará fadada a perder parte do "mercado". Num contexto onde o consumo passa a ser, mesmo que de forma inconsciente, o principal propósito e estímulo, podemos encontrar - tanto no comportamento dos freqüentadores quanto na estruturação das organizações - características não mais de uma comunidade de adoradores, mas de uma mera "cultura de mercado", onde tudo passa a parecer produto ou serviço, e os que ali vão estão dispostos meramente a consumir.
Muitos dos que vão à igreja "para adorar" parecem ir à gerência de um banco. Talvez para tentar obter um crédito, talvez para renegociar uma dívida, ou quem sabe para "fechar um seguro" (eterno). Colocam uma roupa apresentável - pois aparência é fator dos mais importantes - procuram comportar-se adequadamente em relação ao ambiente, o que pode ser fundamental ao êxito do negócio, e numa das primeiras idas, caso desejem realmente "bater o martelo", preenchem uma ficha cadastral ou documentos que comprovem uma experiência anterior bem sucedida. Sobre a mesa de negociação são colocadas as necessidades mais diversas, com o objetivo de se conseguir aprovação de quem pode de alguma forma atendê-las ou supri-las. É claro que em todos os casos há a chamada "reciprocidade", em que se obtém algo em função daquilo que se pode oferecer. Esses freqüentadores apresentam mais características, mesmo que não exteriorizadas, de negociadores do que de adoradores. Assim, o momento de culto deixa de ser uma "oferta de sacrifício" para tornar-se uma "compra de um benefício", e, como todo bom negócio, "tem que ser bom para os dois lados envolvidos". O que passa a importar são as condições impostas.
De repente, ir às celebrações está condicionado a sentir-se confortado pelos cânticos, pelas pregações ou pelos eventos preferidos. A oportunidade de descoberta dos dons e de servir num dos vários ministérios está condicionada à sensação de capacitação e realização. Relacionar-se com pessoas acontece mediante a condição de haver uma via de mão dupla, é claro. Nesse contexto, até a contribuição financeira - e, talvez, principalmente esta - pode ser levada de forma condicional à sua utilização. É pagar pra receber, bancar para usufruir, servir para se realizar, amar para ser amado, louvar para sentir-se leve, enfim, sentir-se com o direito de exigir. "Afinal de contas, já que estou fazendo a minha parte no negócio, Deus tem que recompensar o meu esforço". Se esse mesmo esforço for motivado por uma sensação de dívida a ser renegociada, as condições continuam existindo, só que do lado oposto, quando a instituição passa a ditar as regras para que tal dívida seja paga, gerando excelente oportunidade para o "abuso espiritual", em muitos casos.
Muitos dos que vão à igreja "para adorar" parecem ir a um cinema. Chegam para a hora marcada da sessão e consomem algo oferecido, como chocolates, pipoca ou refrigerante, observam os cartazes de divulgação dos entretenimentos dos próximos dias. Na maioria das vezes, vêm acompanhados de amigos e/ou parentes, e procuram sentar-se no lugar mais estratégico possível. Para estes, pouco importa se faz parte ou não da vida real o que se é transmitido. O que importa mesmo é a possibilidade de analisar, com muito cuidado, as ações, os dramas, os musicais, o suspense, e em algumas ocasiões, infelizmente, a comédia, o terror, ou os casos de polícia exibidos. Esses freqüentadores apresentam mais características de meros observadores do que de adoradores. Assim, o momento de culto deixa de ser participativo para tornar-se analítico e exclusivo. Exclusivo no sentido de único ou, quem sabe, de exclusivista.
Mesmo que ninguém pense da mesma forma, para tudo eles têm seu conceito e nota. O louvor foi nota tal, a palavra do pastor um pouco melhor, aqueles avisos poderiam ser "assim" e tal coisa poderia ser "assado". O pior é que, na tentativa de alcançá-los, os que lideram os processos das organizações passam muitas vezes não apenas a ouvi-los como uma fonte de informação proveitosa, mas a tentar atendê-los em sua incansáveis e, às vezes, infundadas sugestões. Num contexto onde o senso crítico passa a ser, mesmo que de forma inconsciente, o principal propósito e estímulo, podemos encontrar tanto no comportamento dos freqüentadores quanto na estruturação das organizações características não mais de uma comunidade de adoradores, mas de uma mera "cultura de avaliação", onde tudo passa a parecer estar em julgamento, e os que ali vão estão dispostos meramente a opinar.
Ir à igreja para adorar, no entanto, é algo que vai muito além daquilo que temos observado no aparente comportamento de grande parte de seus freqüentadores. É muito mais do que ir a um shopping, à gerência de um banco ou a um cinema. É algo que vai além daquilo que se oferece como atrativo ou que desejamos "consumir"; daquilo que podemos receber como conseqüência do nosso esforço, e das nossas opiniões, desejos e preferências. Ir para adorar implica em estar ali como consequência de um relacionamento cotidiano de intimidade com Deus, a partir de um profundo senso de gratidão e desejo de exaltá-Lo na companhia de outros, com a mesma experiência e intenção. É algo motivado pelo conhecimento da pessoa de Deus e pelo reconhecimento de tudo o que Ele faz, de quem Ele é, da Sua misericórdia renovada diariamente e da Sua graça presenteada constantemente a cada um de nós. Nisto deve consistir o nosso principal propósito e estímulo ao irmos à igreja para adorar, e que muitas vezes, de forma inconsciente, é desviado para atitudes de consumo, troca e avaliação. Talvez essa seja uma boa medida do quanto estamos indo à igreja para realmente adorar ao Senhor. Medição que é pessoal e intransferível. Quem sabe você até conheça o Senhor de perto, mas tem-se deixado levar pela onda do consumo ao "ir para adorar" em função de quem irá cantar, pregar, ou do evento que irá acontecer. Quem sabe você até ande com o Senhor dia-a-dia, mas tem-se deixado enganar pela idéia da negociação ao "ir para adorar" na expectativa de que receberá algo em troca por todo o seu esforço desprendido. Quem sabe você até declare que Ele é o seu Senhor, mas tem-se deixado iludir pelo poder da observação ao "ir para adorar" com o senso crítico exageradamente aguçado.
Pensando no texto de João 4:23, acredito que até mesmo dentro dos lugares construídos para o culto ao Senhor, muitas vezes o próprio Deus procura os que O adorem verdadeiramente. Ora, se muitos dos que vão periodicamente às "casas de culto" podem ter suas motivações e atitudes sutil e inconscientemente desviadas para as culturas de mercado, de negócio ou de avaliação, imaginemos se o Pai encontrará autênticos adoradores nas tantas outras "casas" que freqüentamos no nosso dia-a-dia. Onde e quando, na realidade, são lugares e oportunidades para que haja uma adoração integral, parte do cotidiano, para que um culto sejam um estilo de vida e ultrapasse as "quatro paredes das casas de culto" existentes em toda parte. Somos desafiados, eu e você, a cada momento, a cultivar dentro de nós o propósito de irmos para adorar, mas não apenas às "casas de culto", e sim também aos shoppings, aos bancos, aos cinemas, a todo lugar, de forma que nosso consumo, nosso negócio, nossa opinião e tudo o mais seja uma sutil, intencional e consciente adoração a Deus. Com certeza, isso contribuirá para que, indo à igreja, consigamos não nos desviar do foco, e aí, não mais tão sutilmente, O adoremos.
Augusto Guedes (pastor, empresário, compositor e músico) no Instituto Ser Adorador via Cristianismo Criativo. Cartum de Mike Baldwin tirado da própria página do texto lá no Cristianismo Criativo.
Os grifos são nossos.
Comentários