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Vencendo a tirania do momento

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Viver ao sabor dos ventos das circunstâncias da vida é viver precariamente. A existência humana está constantemente sujeita a uma série de infortúnios que escapam totalmente ao seu controle, mesmo que o ser humano viva da forma mais prudente e sábia possível. Em suma, as coisas nem sempre saem como planejamos.

Sempre fez parte da literatura filosófica, e, em especial da chamada literatura de sabedoria, a preocupação quanto à forma que devemos lidar com os altos e baixos da vida. Pensemos em algumas dessas soluções que têm sido propostas:

1. A resposta da resignação. Os proponentes deste ponto de vista simplesmente assumem o fato de que tudo encontra-se fora do nosso controle e não há nada o que fazer mesmo, senão, submetermos nossa vida ao destino cego. Há variações quanto a este ponto de vista. Uns ensinam que a saída está em não nos apegarmos a nada - diminuirmos nossas expectativas com relação a uma vida que nos promete muito e não cumpre nada. Outros chegam ao ponto de assumirem uma postura absolutamente niilista. Ou seja, afirmam que nada tem sentido. A melhor coisa é morrer cedo e melhor do que morrer cedo é nunca haver nascido.

2. A resposta do conceito de karma. De acordo com esta doutrina, nossos infortúnios não se originam no acaso, mas numa espécie de governo moral universal que faz com que paguemos em vida os erros que cometemos numa vida da qual não nos lembramos. Trata-se de uma visão de mundo que tende ao imobilismo. Conduz o homem à decisão de não tentar fugir desta sentença estabelecida antes do seu nascimento.

3. A resposta do cristianismo. O cristianismo difere de várias maneiras das respostas propostas acima. Em primeiro lugar, o cristianismo afirma a liberdade e o direito do ser humano desejar. Há espaço dentro da fé cristã para a existência de sonhos legítimos, mesmo em face do caráter incerto de todas as coisas. Isto porque Deus pode satisfazer aos desejos do coração de um homem e de uma mulher. A Bíblia está repleta do testemunho de pessoas que, a despeito da percepção do elemento trágico da vida, ousaram sonhar e muito realizaram neste vale de lágrimas em que vivemos. Esta capacidade de sonhar está inserida na cosmovisão cristã. É um corolário do cristianismo bíblico: para a fé cristã a dimensão impessoal da vida está sujeita à dimensão pessoal da vida. No Mar da Galiléia o Senhor Jesus fez o vento e as ondas cessarem.

Em segundo lugar, o cristianismo afirma a realidade do céu. O cristão é estimulado a desejar, mas jamais a esperar nesta vida aquilo que ele só terá quando houver uma completa transformação cósmica - a criação de novos céus e nova terra - promessa feita por Cristo reiteradas vezes. O fato de o homem não se satisfazer com este mundo, como lembra C. S. Lewis, não significa que o plano de Deus fracassou, mas que o homem foi criado para um mundo transfinito e transtemporal. Nossos melhores momentos nesta vida são apenas lembranças do que nos aguarda na glória. Retiro isso da vida e não sobra nada. Resta-nos o "Comamos e bebamos que amanhã morreremos" dos Epicureus, tão bem lembrado pelo apóstolo Paulo.

Em terceiro lugar, o cristianismo afirma o caráter incerto da condição humana debaixo do sol. Não sabemos o que nos aguarda. Orações podem não ser ouvidas nos termos em que as apresentamos a Deus. Sendo assim, a fé cristã nos estimula a prática do contentamento, o que significa a decisão de momento a momento dizermos um racional “muito obrigado” a Deus, mesmo que as coisas não estejam andando como esperávamos. Há um paradoxo aqui. O cristão não se alegra pelo sofrimento em si, se possível, faz o que estiver ao seu alcance para evitá-lo ou superá-lo, mas aquiesce à vontade daquele que faz com que todas as coisas concorram para o bem dos que amam a Deus.

Em quarto lugar, o cristianismo não desnaturaliza o ser humano, mas dá-lhe recursos para que o que anda com Cristo se supere. Quando vem a dor, o cristianismo não ensina a ninguém que é pecado chorar. Mas, ninguém deve viver de uma tal maneira que sua relação com Deus e o seu caráter sejam determinados pelas circunstâncias da vida. O cristão é chamado por Deus a vencer a tirania do momento.

Em quinto e último lugar, entre o muito que poderíamos falar, permita-me apresentar um ponto final indispensável. A vida neste planeta é dura, curta e incerta. Por isto, quando uma pessoa se converte, Deus não lhe dá um pijama para descansar, mas uma armadura para guerrear: “revesti-vos de toda a armadura de Deus...”. O cristão faz parte de uma comunidade peregrina, que encontra-se no meio de uma travessia que se dá através de uma terra árida e ocupada por forças malignas. Tudo isto exige a necessidade de vigilância, constante oração, estudo das Sagradas Escrituras, comunhão com a igreja, participação no sacramento da ceia e santidade de vida.

Que Deus ajude a você e a mim a vermos que beleza de vida é a vida cristã. Que saibamos vivê-la, e, no secreto, na solitude, na prática das disciplinas espirituais, nos prepararmos para ela. Em vivendo assim, poderemos dizer juntamente com o apóstolo Paulo na Carta aos Filipenses capítulo 4 verso 11 em diante:
 
“... porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de abundância, como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece”.
 
Antônio Carlos Costa (pastor da Igreja Presbiteriana da Barra, Presidente do Rio de Paz e apresentador, há dez anos, do programa de televisão Palavra Plena) via Genizah
 
Foto de Tom Prokop em 123 Royalty Free

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