Por Fernando Dannemann
Recebi de um amigo o material que ora publico. O título é o mesmo, com a observação, porém, de que se tratava de “Analecto enviado pelo considerado Ruy Paneiro”. Como eu não sabia o que era “analecto”, tratei de decifrar a charada, e descobri que essa palavra misteriosa significa “coleção de máximas ou de textos escolhidos, tirados de obras de um ou de vários autores”. Quanto a Ruy Paneiro, a quem não conheço, trata-se de jornalista ex-Jornal do Brasil, que trabalha atualmente como freelancer e colabora com jornais eletrônicos.
O “analecto” do jornalista satiriza o pedantismo com que certos autores escrevem seus textos, jurídicos ou não. Mario de Andrade (1893-1945) fez o mesmo em Macunaíma (1928), com a Carta aos Icamiabas, que diz: "Ás mui queridas súbditas nossas, Senhoras Amazonas. Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte Seis, São Paulo. Senhoras: Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endereço e a literatura desta missiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudade e muito amor, com desagradável nova. É bem verdade que na boa cidade de São Paulo - a maior do universo, no dizer dos seus prolixos habitantes - não sois conhecidas por "icamiabas", voz espúria, senão que pelo apelativo de Amazonas; e de vós, se afirma, cavalgardes ginetes belígeros e virdes da Hélade clássica; e assim sois chamadas. Muito nos pesou a nós, Imperator vosso, tais dislates da erudição porém eis de convir conosco que, assim, ficais mais heróicas e mais conspícuas, tocadas por esta plátina respeitável da tradição e da pureza antiga. Mas não devemos esperdiçarmos vosso tempo fero, e muito menos conturbarmos vosso entendimento, com notícias de mau calibre; passemos, pois, imediato, ao relato dos nossos feitos por cá." (Capítulo IX, pág. 71)
Postos os pingos nos is, vamos aos ditos, realmente muito interessantes.
◙ A fêmea ruminante deslocou-se para terreno sáfaro e alagadiço.
(A vaca foi para o brejo)
◙ Creio que V.S. apresenta comportamento galhofeiro perante a situação aqui exposta.
(Você está de onda)
◙ Prosopopéia flácida para acalentar bovinos.
(Conversa mole pra boi dormir)
◙ Romper a face.
(Quebrar a cara)
◙ Creditar um primata.
(Pagar um mico)
◙ Inflar o volume da bolsa escrotal.
(Encher o saco)
◙ Impulsionar a extremidade do membro inferior contra a região glútea de outrem.
(Dar um pé na bunda)
◙ Derrubar, com a extremidade do membro inferior, o suporte sustentáculo de uma unidade de acampamento.
(Chutar o pau da barraca)
◙ Deglutir um batráquio.
(Engolir um sapo)
◙ Colocar o prolongamento caudal em meio aos membros inferiores.
(Meter o rabo entre as pernas)
◙ Derrubar com intenções mortais.
(Cair matando)
◙ Eximir de qualquer tipo de sorte.
(Azarar)
◙ Aplicar a contravenção do Senhor João, este deficiente físico desprovido de um dos membros superiores.
(Dar uma de João sem braço)
◙ Sequer considerar a utilização de um longo pedaço de madeira.
(Nem a pau)
◙ Sequer considerando a possibilidade da fêmea bovina expirar fortes contrações laringo-bucais
(Nem que a vaca tussa)
◙ Sequer considerando a utilização de instrumentos metálicos.
(Nem ferrando)
◙ Derramar água pelo chão por meio de tombamento violento e premeditado do seu recipiente.
(Chutar o balde)
◙ Retirar o filhote de eqüino da precipitação pluvial.
(Tirar o cavalinho da chuva)
◙ Quando um quadrúpede da família dos equídeos parlamenta, seu subalterno baixa as abas auditivas e posta-se em submissa posição para ouví-lo.
(Quando um burro fala, o outro baixa a orelha)
Fonte: Fernando Dannemann – Contador de histórias com algumas modificações e cortes; imagem (que circula livre na net) foi tirada do livro Pequeno Dicionário Ilustrado de Expressões Idiomáticas (Everton Ballardin e Marcelo Zocchio) [www.pequenodicionario.com.br] .
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