Pular para o conteúdo principal

A última palavra perfeita


Como escritor, eu jogo com as palavras o dia inteiro, brinco com elas, ouço os seus meios-tons, parto-as pelo meio e tento encaixar nelas os meus pensamentos. Descobri que as palavras têm uma tendência de se estragarem com o passar do tempo, como carne deteriorada.

Quando os tradutores da versão King James contemplaram a forma mais elevada de amor, escolheram a palavra "caridade" para expressá-la. Porém, nos dias de hoje ouvimos o protesto de desdém: "Não quero a sua caridade!".

Talvez eu continue rondando a palavra graça porque é uma grande palavra teológica que não foi estragada. Eu a chamo de "a última palavra perfeita" porque todos os usos dela em inglês que eu consigo encontrar retêm um pouco da glória original.

Como um vasto lençol aqüífero, a palavra sustenta nossa civilização orgulhosa, lembrando-nos que as coisas boas não vêm de nossos próprios esforços, e sim pela graça de Deus. Mesmo agora, apesar de nossa guinada secular, as raízes-mestras ainda vão estender-se para a graça. Veja como utilizamos a palavra.

Muitas pessoas "dão graças" antes das refeições, reconhecendo diariamente o pão como um presente de Deus. Somos gratos pela bondade de alguém, sentimo-nos gratificados com boas notícias, congratulados quando temos sucesso, graciosos hospedando amigos. Quando uma pessoa nos serve bem, deixamos uma gratificação. Em cada um desses usos ouço a exclamação infantil de prazer dos que não merecem.

Um compositor acrescenta appogiaturas às notas reais. Embora não sejam essenciais à melodia — são gratuitas — elas acrescentam floreios cuja ausência seria sentida. Quando tento pela primeira vez tocar uma sonata de Beethoven ou Schubert no piano, toco-a toda, algumas vezes, sem as appogiaturas. A sonata flui, mas que diferença faz quando sou capaz de acrescentar as notas graciosas que temperam a partitura como gostosas especiarias!

Na Inglaterra, alguns usos dão uma evidência explícita da fonte teológica da palavra. Os súditos britânicos dirigem-se à realeza utilizando a expressão "Sua Graça". Os estudantes de Oxford e de Cambridge podem "receber uma graça" que os isenta de certas exigências acadêmicas. O Parlamento declara um "ato de graça" para perdoar um criminoso.

Os editores de Nova York também sugerem um significado teológico com a sua política de agraciar. Se eu assino doze exemplares de uma revista, posso receber alguns exemplares extras mesmo depois que minha assinatura expirar. São "exemplares de graça", enviados para me incentivar a renovar a assinatura. Os cartões de crédito, as agências de aluguel de carros e as imobiliárias igualmente estendem aos clientes um "período de graça" não merecido.

Eu também aprendo a respeito de uma palavra com o seu antônimo. Os jornais dizem que o comunismo "caiu em desgraça", uma frase igualmente aplicada a Jimmy Swaggart, Richard Nixon e O. J. Simpson. Insultamos uma pessoa apontando a carência da graça: "Seu ingrato". Ou, pior ainda, dizemos: "Você é uma desgraça!". Uma pessoa realmente desprezível não tem "graça salvadora". Meu uso predileto da raiz graça aparece na melíflua expressão persona non grata: uma pessoa que ofende o governo com algum ato de traição é proclamada uma "pessoa sem graça".

Os muitos usos da palavra me convencem de que a graça é realmente surpreendente: é a nossa última palavra perfeita. Ela contém uma essência do evangelho como uma gota de água pode conter a imagem do sol. O mundo tem sede de graça em situações que nem reconhece; não nos causa admiração que o hino "Maravilhosa Graça" (Amazing Grace) continue sendo tão repetido duzentos anos depois de sua composição. Para uma sociedade que parece estar à deriva, sem amarras, não sei de lugar melhor para lançar uma âncora de fé.

Philip Yancey - " Maravilhosa Graça"

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

William Barclay, o falso mestre

  O texto a seguir foi traduzido por mim, JT. Encontrado em inglês neste endereço . As citações de trechos bíblicos foram tiradas da bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA).     William Barclay, o falso mestre Richard Hollerman Estamos convencidos de que muitas pessoas não percebem o quão difundido o falso ensinamento está em nossos dias. Elas simplesmente vão à igreja ou aceitam ser membros da igreja e falham em ter discernimento espiritual com respeito ao que é ensinado pelo pastor, pregador ou outro "sacerdote". Elas meramente assumem que tudo está bem; caso contrário, o quartel-general denominacional certamente não empregaria uma pessoa em particular para representar sua doutrina publicamente. Esta é uma atitude desgraçadamente perigosa a sustentar, uma que nos conduzirá de forma desencaminhada e para dentro do erro. Alguns destes erros podem ser excessivamente arriscados e conduzirão ambos mestre e ouvinte à condenação eterna! Jesus nos advertiu sobre os fa...

Deus pegou no meu bilau

Bom pessoas e mudando um pouco de assunto, deixo pra vocês um texto muito bom do Marcos Botelho , leia e não esqueça de comentar. É lógico que você ficou escandalizado com o título desse artigo, não era para ser diferente, você é um brasileiro que cresceu com toda cultura e tradição católica latino americana onde os órgãos sexuais são as partes sujas e vergonhosas do corpo humano. Mas não é assim que Deus vê e nem que a bíblia fala do seu e do meu órgão sexual, a bíblia está cheia de referências boas sobre o sexo e sobre os órgãos sexuais, mesmo percebendo claramente que os tradutores tentaram disfarçar. Na narração de Gênesis 2.7 vemos Deus esculpindo o homem do barro, isso foi um escândalo para os outros povos e religiões, principalmente para os gregos que acreditavam que nenhum deus poderoso poderia tocar na matéria, principalmente no barro como um operário fazia. Hoje não temos a dificuldade de acreditar que Deus, na criação, sujou a mão de barro, mas temos tremenda dificuldade d...

O que aprendi com Esaú

Por Gonzaga Soares Gosto dos coadjuvantes da bíblia. Me identifico com eles, não sei ao certo o motivo. Talvez por não estarem sob os holofotes da trama, na qual figuram em plano secundário. Na historia dos gêmeos bíblicos, o foco narrativo é centrado em Jacó, restando a Esaú o papel de coadjuvante na trama de seu irmão. Todos conhecem a historia de Jacó, um relato bíblico cheio de intrigas, trapaças, traições e temor. Desde da primeira vez que li o texto bíblico, simpatizei com Esaú, que diante da traição da mãe e do irmão, sempre demostrou um caráter admirável. E como em um filme ou romance literário em que você torce pelo mocinho, que sofre com as maldades do vilão, eu torcia para que no final da história Esaú desse uma boa sova em Jacó. No entanto, o final da história é surpreendente e contraria todos os romance e filmes, em uma manifestação de pura graça.  Quando Jacó resolve regressar do seu exílio de vinte anos imposto pelo pecado que cometera contr...