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As cicatrizes da Páscoa


Jesus conhece as feridas da humanidade. Suas mãos provam este fato.

Por Paul Brand e Philip Yancey

Isaac Newton disse: “na ausência de qualquer outra prova, apenas a tumba já me convenceria da existência de Deus”. Após quarenta anos como cirurgião especialista em mãos, sou tentado a concordar. Nada na natureza se compara a combinação das mãos - poder e agilidade, tolerância e sensibilidade. Usamos nossas mãos para as mais maravilhosas atividades artísticas: arte, música, escrita, cura e toque.

Algumas pessoas assistem a concertos e eventos esportivos para observar a performance; eu vou para observar as mãos.

Para mim, uma performance de piano é o balé dos dedos: uma gloriosa sintonia de ligamentos e juntas, tendões, nervos e músculos. Procuro me sentar próximo ao palco para observar os movimentos.

A não ser que você tenha tentado reproduzir apenas um movimento das mãos mecanicamente, você não pode apreciar os movimentos de forma completa. Diversas vezes estive à frente de um grupo de estudantes de medicina e cirurgiões para analisar os movimentos de um dedo. Seguro perante eles a mão dissecada de um cadáver, com seus ligamentos suspensos e anuncio que movimentarei a ponta do dedo mindinho.

Para fazer isto, preciso colocar a mão sobre a mesa e gastar cerca de quatro minutos mexendo nos tendões e músculos. Setenta músculos separados contribuem para os movimentos das mãos. Mas para permitir a destreza e singeleza de ações como tocar piano, o dedo não possui músculos nele próprio: os tendões transferem a força de músculos que ficam na parte superior do braço (freqüentadores de academias devem estar agradecidos: imagine as limitações dos movimentos de um dedo se existissem músculos nos dedos que se tornassem grandes e fortes).

Finalmente, após ter organizado pelo menos uma dúzia de músculos corretamente, consigo manejá-los para fazer com que o dedo mindinho se mova. Geralmente, faço esta demonstração para ilustrar um meio de reparar a mão de forma cirúrgica. Em quarenta anos de cirurgia, operei pessoalmente cerca de 10.000 mãos. Poderia encher uma sala de manuais de cirurgia com sugestões de diversas formas de restaurar mãos feridas. Mas em todos estes anos, nunca encontrei uma técnica para melhorar o desempenho de uma mão saudável e normal. É por isto que sou tentado a concordar com Isaac Newton.

Já vi mãos artificiais desenvolvidas por cientistas e engenheiros em locais que produzem material radioativo. Com grande orgulho um engenheiro demonstrou as sofisticadas máquinas que protegem os trabalhadores da exposição à radiação. Ajustando botões e nivelamentos, ele controlava uma mão eletrônica cujo pulso se movia. Modelos mais avançados, segundo ele, até possuem um polegar opositor, uma característica avançada reservada apenas aos primatas na natureza. O engenheiro, sorridente como um pai orgulhoso, fez sinal positivo para mim com o polegar mecânico.

Elogiei o engenheiro pelos movimentos diversos que a mão mecânica realizava. Mas ele sabia tanto quanto eu, que comparada a um dedo humano, sua mão mecânica era desajeitada e limitada, até patética, como uma escultura infantil feita com massa de modelar comparada a uma obra de arte de Michelângelo.

Trabalho com as maravilhas das mãos diariamente. Mas uma data do ano tem significado especial para mim como cristão, e assim, meus pensamentos também se voltam à mão humana. Quando o mundo observa a semana da Paixão, a semana mais solene do cristianismo, reflito acerca das mãos de Jesus.

Como pintores ao longo da história tentaram visualizar a face de Jesus, tento visualizar as mãos. Imagino-as em diversas fases de sua vida. Quando o Filho de Deus chegou ao mundo na forma humana, como eram suas mãos?

Tenho dificuldade em conceber a idéia de Deus se tornando um bebê, mas nossa fé declara que durante uma época, Jesus teve mãos pequenas e singelas de um recém-nascido. G. K. Chesterton expressou o paradoxo desta forma: “As mãos que fizeram o sol e as estrelas eram pequenas demais para alcançar as muitas cabeças do rebanho”. E muito pequenas para mudar suas próprias roupas ou levar comida à boca.

Como todo bebê, ele tinha impressões digitais em miniatura, dedos enrugados, pele suave e macia que nunca havia conhecido dureza e dificuldade. O Filho de Deus experimentou a fragilidade de uma criança.

Uma vez tendo sido aprendiz de carpintaria, posso imaginar com facilidade as mãos do adolescente Jesus, que aprendeu o ofício na carpintaria de seu pai. Sua pele pode ter desenvolvido muitos calos e pontos sensíveis.

E então surgiram as mãos de Cristo, o médico. A Bíblia nos fala que poder fluía de suas mãos conforme ele curava pessoas. Ele não gostava de fazer milagres em massa, preferia fazê-los um a um, tocando a cada pessoa que curava.

Quando Jesus tocou olhos que já haviam secado, subitamente estes voltaram a discernir cores e luz. Certa vez, Jesus tocou uma mulher que sofria de hemorragia, sabendo que pela lei judaica este ato o tornaria impuro. Ele tocou leprosos, pessoas que ninguém tocava. De maneira singela e pessoal, suas mãos tornavam perfeitas todas as coisas da Criação que estavam deturpadas.

A cena mais importante da vida de Jesus também envolvia suas mãos: a cena que relembramos na Paixão de Cristo. As mãos que haviam feito tanto bem foram tomadas, uma de cada vez e furadas com pregos. Minha mente sofre ao tentar visualizar a cena.

Durante uma cirurgia corto delicadamente, usando lâminas finas que cortam uma camada de tecido por vez, para expor os nervos internos, veias, pequenos ossos, tendões e músculos. Sei perfeitamente o que a crucificação faz com uma mão humana.

Os executores romanos colocaram os pregos nos pulsos de Jesus, atravessando o túnel do carpo que abriga tendões que controlam os dedos, bem como o nervo médio. É impossível forçar um prego neste local sem forçar a mão para o formato de patas contorcidas. E Jesus não teve anestesia quando suas mãos foram amarradas, marteladas e destruídas.

Em seguida, ficou pendurado por seu peso, o que esgarçou mais tecido e soltou mais sangue. Existe uma imagem mais frágil do que esta, do Filho de Deus paralisado e pendurado em uma cruz? Os discípulos, que esperavam que ele fosse o Messias, tremeram de medo na escuridão ou foram para longe.

Mas esta não é a última visão das mãos de Jesus no Novo Testamento. Ele apareceu novamente, em um local fechado, enquanto um de seus discípulos contestava uma estranha história que pensava ter sido inventada por seus amigos. Pessoas não ressuscitam, dizia Tomé. Devem ter visto um fantasma ou uma ilusão.

Naquele momento, Jesus apareceu e levantou suas reconhecíveis mãos. As cicatrizes provavam que pertenciam a ele, o mesmo que havia morrido na cruz. Apesar de o sangue ter se alterado, as cicatrizes permaneciam. Jesus convidou a Tomé para senti-las com seus próprios dedos. Tomé apenas respondeu: “Meu Deus e meu Senhor!” É a primeira vez que a Bíblia registra um dos discípulos se referindo a Jesus diretamente como Deus. A afirmação veio em resposta às feridas de Jesus. As mãos de Jesus.

Ao longo de toda a história, pessoas de fé acreditaram que existe um Deus que compreende os dilemas humanos. Que as dores que sentimos na terra têm significado. Que nossas orações são ouvidas. Na Paixão de Cristo, nós cristãos focamos no evento supremo de quando Deus demonstra para sempre que Ele conhece nossa dor.

Como lembrança de seu tempo aqui, Jesus escolheu cicatrizes em cada uma de suas mãos. É por isso que creio que Deus ouve e compreende nossa dor e até absorve-a sobre si, pois manteve as cicatrizes como uma imagem eterna da cura da humanidade. Ele sabe como é a vida na terra, pois ele esteve aqui. Suas mãos provam este fato.

Paul Brand serviu por 18 anos no Christian Medical College em Vellore, na Índia. Quando escreveu este artigo, mudou-se para a reabilitação no Hospital de Lepra no U.S. Public Health Service em Carville, Louisiana.

Escrito com Philip Yancey, editor da Christianity Today.

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