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Teologia negra

Hoje é o Dia da Consciêcia Negra, e, para refletir um pouco sobre sobre a relação da teologia atual e o negro no Brasil, segue um texto do pastor Gercymar Silva tirado lá da Editora Ultimato.

Cross carved into a veteran's headstone. Memorial to fallen soldier carved into graniteA afirmação étnica do negro no Brasil precipita uma reflexão ainda muito contida sobre as culturas africana e afro-brasileira no meio religioso cristão-evangélico-protestante. Há uma quase omissão do protestantismo brasileiro em debater a temática da negritude e sua participação na formação e na história da igreja evangélica no Brasil. A afirmação étnica do negro exige o espaço devido aos seus representantes.

A igualdade entre as raças e o convívio com as diferenças não é só uma discussão étnica. De modo semelhante, as políticas de ação afirmativa não são apenas demandas que estão na moda. Seria simplismo olhar as coisas por esse prisma! O crescimento e a adoção de políticas de ação afirmativa nos últimos anos são visíveis, embora haja segmentos da sociedade que se opõem ou se omitem a tal ação.

A Igreja Metodista ainda não incluiu claramente em sua agenda a reflexão do papel do negro e sua contribuição, mesmo tendo uma pastoral de combate ao racismo. Há muito, o negro brasileiro forja seu espaço e sua participação em diversos âmbitos da cultura: culinária, cosmética, música, literatura, religião, artesanato, línguas, ciências, artes, mitos etc.

A liturgia, por exemplo, vale-se da música, imprescindível na celebração. Porém, o que seria da música sem a variedade de ritmos? Haroldo Costa, em artigo na “Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, diz que “a senzala foi o ambiente onde a música e os ritmos de origem africana se desenvolveram, e amplificaram a sua influência na casa grande”.

Hoje, a música africana ganha uma expressão afetiva incontestável, seja no meio secular ou no meio religioso. Avalia-se que o campo religioso brasileiro está em plena articulação com a emergência da afirmação étnica dos negros no Brasil. A propósito, “o candomblé, um dos símbolos de referência imediata da negritude brasileira, cresce como se acompanhasse a emergência da identidade afrodescendente e o ganho espaço-social que esses indivíduos vem ocupando na sociedade inclusiva”. [1]

A sanção da lei 10.639, que obriga o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira no Ensino Fundamental e Médio”, representa uma conquista singular da população negra ao lado do movimento negro. A iniciativa age sobre o sistema educacional com grande impacto, fazendo a sociedade discutir amplamente a temática. A questão desperta interesses de ordem política, econômica, social, histórica, cultural e religiosa.

Ao procurar se ajustar a essa iniciativa, o sistema educacional agrega uma discussão que envolve entusiastas e críticos -- o que faz fervilhar a opinião pública. A lei tem uma história que se confunde com a emergência do Movimento Negro dos últimos trinta anos. É possível que “os desafios para a implementação [da lei] são da mesma ordem dos que se antepõem ao avanço da luta contra o racismo”. [2]

A essa altura, a questão fundamental está mais do que evidente: Qual é, ou qual será a contribuição do protestantismo para a afirmação do negro no Brasil? Essa questão pode ser elaborada de uma forma mais criativa e/ou acadêmica: Qual é a cor e qual é o gosto das lideranças evangélicas em discutir a questão da afirmação do negro no Brasil? É por isso que a igualdade entre as raças e o convívio com as diferenças não é só uma discussão étnica; é política, social, cultural e religiosa. A discussão é um problema da nervura da sociedade brasileira.

O Fórum de Lideranças Negras Evangélicas, realizado recentemente, encaminhou um manifesto ao 2º Congresso Brasileiro de Evangelização pedindo um basta à omissão e ao silêncio da Igreja Evangélica a respeito da problemática do negro no país. A matéria, intitulada “Afrodescendentes evangélicos querem quebrar o silêncio das igrejas”, ganhou repercussão ao discutir missão integral. O manifesto diz que a igreja evangélica brasileira “só poderá viver verdadeiramente a sua missão integral se contemplar a questão do afrodescendente. Temos a convicção de que estamos vivendo tempos da manifestação de Deus entre nós e entendemos que os cristãos foram postos no mundo para ser consciência da sociedade, diz o manifesto”. [3]

Nessa reunião, foi evidente a presença de negros e negras metodistas, batistas, anglicanos, católicos, das igrejas Deus em Cristo e O Brasil para Cristo. O Fórum considerou que a luta do protestantismo histórico e de missão em prol de condenar a escravidão negra foi, no mínimo, apática. As missões protestantes encetaram a sua propaganda missionária priorizando a elite brasileira, estabelecendo igrejas e educandários distantes das classes exploradas e escravizadas. As missões só se manifestaram a favor da abolição quando o país inteiro estava convencido de seu fim.

Constata-se, entretanto, uma “perpetuação de práticas pedagógicas racistas”, cujos valores são os das classes dominantes, que tolhem a maioria de exercer sua cidadania plena. Além de ser minoria no poder, essa maioria é destituída, explorada e oprimida historicamente -- a maioria negra. Janete Pietá, deputada federal pelo Estado de São Paulo, diz ter tomado consciência da questão racial (e se tornado militante e ativista dos direitos negros) quando foi morar em São Paulo, e não conseguiu alugar uma casa por causa da cor da pele.

Apesar de reconhecer que as desigualdades afetam a população negra, a igreja evangélica brasileira vivencia mobilizações consideradas isoladas, que representam pequenos guetos de reflexão e/ou de ação afirmativa da negritude. Histórica e culturalmente, é vigente a imagem de que a pessoa negra não é inteligente ou capaz de exercer funções específicas, como de chefia e direção, freqüentemente ocupadas por pessoas brancas. A discriminação é maior ainda quando se trata da mulher negra. É fundamental que as idéias veiculadas pela mídia, especialmente em torno da beleza negra, sejam corrigidas. A propósito, “negro não é só lindo, é capaz, é competente”.

Gercymar Wellington Lima e Silva é pastor metodista e especialista em estudos wesleyanos (Umesp e Unimep-SP). gercymar@gmail.com

Notas
[1] Cf. Aislan Vieira de Melo, “Religião e afirmação étnica no Brasil contemporâneo: notas sobre a conversão no campo religioso”. Disponível em: www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/aislan_vieira_de_melo.htm.

[2] Cf. Amauri Mendes Pereira, “História e Cultura Afro-Brasileira: parâmetros e desafios”. Disponível em: www.espacoacademico.com.br/036/36epereira.htm. Amauri atenta para prodigalidade de nosso país no que tange a efetividade das leis, propondo reflexões sobre três desafios: o político, o acadêmico e o da práxis. Conforme palavras do autor, “Temos, porém, o direito e o dever de estarmos atentos. Nosso país é pródigo em leis que não pegam. Ainda mais, com “temática tão problemática”
-- pelo menos para os que não viam problemas (muitos não viam mesmo!) com os nossos currículos, livros e procedimentos didáticos racializados e euronorteamericanocentrados”.

[3] Disponível em: www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/11/267808.shtml.

Texto original publicado com o título "Teologia negra hoje". Imagem de 123 Royalty Free.

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