Sempre que não posso ir em casa para almoçar, fico aqui pelo centro da cidade. O local onde gosto de comer fica a uns cinco quarteirões e a caminho de lá existe uma praça.
Praças são locais muito interessantes... são o berço do sonho para um casal que se apaixona e caminha de mãos dadas, foi também o berço de revoluções e de ideais, o local das greves e das manifestações.
Praça também é desilusão... é onde aquele mesmo casal passa, olha a árvore e se pergunta porque não deu certo. Também é o local onde o pai de família passa seu tempo, absolutamente envergonhado de voltar para casa sem o trabalho e menos ainda, o sustento para casa. É onde os velhos se achegam e contam histórias de um tempo muito distantes, onde tudo era melhor, até as pessoas eram melhores naquele tempo. Na verdade, contam histórias para preencher o vazio que lota suas casas.
Nessa praça há todo tipo de vendedor. Aqueles que realmente estão trabalhando, outros que estão ali até algo melhor aparecer, há os tocadores de flauta, todos com rostos andinos e cabelos escorridos com versões musicais de hinos, salmos, sertanejos, mozart´s e por aí vai. Há sempre os hippies com seus badulaques feitos na calada da noite, há os vendedores de picolés, piquis, goiabas e jabuticabas. Vendem de tudo. Alguns vendem mais do que gostariam de vender. Alguns vendem-se.
Lá no canto da praça, perto de árvores frondosas há um pregador. Você consegue ver seus gestos de longe e debaixo do braço o famoso livro preto. Sua voz aparece na multidão e sua veia quase se arrebenta no pescoço.
Ao lado dele está a sua esposa ou sua seguidora, alguma irmã que nitidamente pertence a mesma igreja. Há nela todo tipo de julgamento nos olhos e suas palavras são ríspidas e carregadas de ódio. Passam por ela algumas meninas em suas mini roupas, como é de uso hoje em dia, e são exemplificadas como obra do diabo. O deficiente mental que caminha abandonado e alheio é possesso do diabo. E quem olha com olhares de desprezo são logo lembrados que irão para o inferno.
Ali estão eles... no mesmo lugar onde Jesus um dia esteve. Enquanto o povo se maravilhava com Ele, aqui o povo os odeia. Enquanto Jesus jogava as pedras no chão, estes as levantam em nome Dele. Enquanto Jesus acolhia, estes ignoram ou julgam. Aliás, nem parecem que falam do mesmo judeu... Pois um eu conheço, este outro de quem falam me parece uma divindade frouxa, ciumenta, vingativa e com muito tempo livre.
Os pregadores são mais um artigo na praça, são um fenômeno cultural, não são mais uma mensagem que consola.
Eles são vendedores de outra categoria... vendem liberdade, vendem absolvição, vendem paz e estão a procura de alguém que compre sua loucura. Afinal, a solidão de se olhar o mundo tão bonito e acontecendo com tanta naturalidade deve ser a tortura destes que acham que ser de Jesus é ser igual eles. São aqueles que fizeram de Jesus seu amuleto, seu reino particular e agora ficam a porta, escolhendo quem entra.
Lembram-me outros... aqueles que ficavam a porta, não entravam e não deixavam os outros entrarem.
Fonte: César Chagas no Infinita Highway
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