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Por que as pessoas falam tanto?

Bastante reflexivo é esse texto da Eliane Brum; permeado de verdades e pontos de vista interessantes que nos convidam à… reflexão! Não é um texto de cunho cristão e chega a estar ligado a uma experiência comumente praticada pelos budistas, mas isso não o faz ser cheio de coisas heréticas. Ele está cheio de fatos.
 
O texto envolve meditação, ouvir (e saber ouvir), surdez (voluntária?) pressões do mundo sobre nós, aprendizado e outras coisas mais. Até dica de leitura e de cinema você vai encontrar nele.
 
 
Na ditadura não se podia falar... [Rui Soares - br.lhares.com]
 
 
Uma vez passei dez dias num retiro de meditação vipássana, no interior do Rio de Janeiro, para fazer uma reportagem para ÉPOCA. Havia muitas regras. Uma delas era o silêncio. Por dez dias era proibido falar. Também devíamos evitar olhar para as outras pessoas. O objetivo era silenciar a mente até que não houvesse nenhum ruído também dentro de nós. Foi uma experiência fantástica, que me mudou para sempre. Nunca antes estive tão em mim. E nunca depois voltei a estar.
 
O silêncio e um progressivo mergulho interno, em vez de me alienar do mundo, me conectaram a ele de um modo até então inédito para mim. Eu sentia cada segundo, por que eles demoravam a passar. Percebia o vento e as nuances das cores do céu e das folhas das árvores em detalhes. Olhava, cheirava, ouvia e tocava o mundo como se tudo fosse novo. Cada centímetro de terra era capaz de me ocupar por minutos. Sem palavras, a realidade me alcançava com mais força. Finalmente eu não apenas compreendia, mas vivia a poesia de Alberto Caeiro: “Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”.
 
Antes que alguém tenha ideias, experimentei tudo isso sem nenhuma droga. Nenhuma mesmo. Não podíamos tomar álcool, fumar ou ingerir qualquer medicamento, nem mesmo aspirina. Minha droga era a lucidez. Naqueles dez dias, ouvi com mais clareza a mim mesma. E passei a escutar melhor o mundo em que vivia. Senti que finalmente estava no mundo. Eu era.
 
No décimo dia, voltamos a falar. O retiro acabaria no dia seguinte e precisávamos nos preparar para retornar a uma realidade cotidiana de ruídos e demandas excessivas. Lembro que eu não queria falar. Fiquei assustada quando todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Percebi que a maioria do que se dizia nunca deveria ter sido dito. Sobrava.
 
Uma parte eram fofocas que haviam sido guardadas por dias. E que poderiam ter ficado impronunciadas para sempre. Percebi, principalmente, que depois de dez dias de silêncio muitas de nós não queriam ouvir. Só falar. Poucas eram aquelas que realmente desejavam escutar a experiência da outra, a voz da outra. A maioria só queria contar da sua. Não tinham sentido falta de outras vozes, apenas do som da sua. Dez dias de silêncio não tinham sido suficientes para acabar com nossa surdez à voz alheia.
 
A reportagem foi publicada, com o título de “O inimigo sou eu”. Eu segui, guardando em parte o que aprendi lá. E tenho sentido falta daqueles dez dias de silêncio, agora que aumenta em níveis quase insuportáveis a poluição sonora dentro e fora de mim.
 
Acho que nunca escutamos tão pouco. E talvez por isso nunca fomos tão solitários. Quando faço palestras sobre reportagem, os estudantes de jornalismo costumam perguntar o que devem fazer para se tornarem bons repórteres. Minha resposta é sempre a mesma: escutem. Acredito que mais importante do que saber perguntar é saber escutar a resposta. Não apenas para ser um bom jornalista, mas para ser uma boa pessoa. Escutar é mais do que ouvir. Como repórter e como gente esforço-me para ser uma boa “escutadeira”.
 
É a escuta que nos leva ao mundo. E é a escuta que nos leva ao outro. Quando não escutamos, nos tornamos solitários, mesmo que estejamos no meio de uma festa, falando sem parar para um monte de gente. Condenamo-nos não à solidão necessária para elaborar a vida, mas à solidão que massacra, por que não faz conexão com nada. Não escutamos nem somos escutados. Somos planetas fechados em si mesmos. Suspeito que essa é uma época de tantos solitários em grande parte pela dificuldade de escutar.
 
 
 
Os grifos são nossos.
 
No que diz respeito a ouvir, o livro dos Provérbios de Salomão está recheado de conselhos. Acesse essa página aqui e vá no menu Editar de seu navegador, selecione o comando Localizar (para localizar na página, não na net) e busque pelo termo “ouv”.
 
 
 
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